A Emenda Constitucional 95/16, que congelou os gastos públicos, além de não ter contribuído para combater a crise econômica do país teve efeitos particularmente negativos em relação aos direitos sociais. A constatação é de especialistas do setor e pesquisadores de várias universidades que participaram de seminário sobre o tema elaborado pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), nesta semana. Conforme estudo elaborado com participação da relatoria das Nações Unidas sobre Extrema Pobreza e DH, em vez de melhorar o déficit público, o congelamento tem aprofundado desigualdades socioeconômicas na sociedade, com impactos desproporcionais para pessoas em situação de vulnerabilidade.
Com um ano de implementação, a medida já começou, segundo integrantes do CNDH, a afetar grupos mais vulneráveis como mulheres negras e pessoas que vivem na pobreza. Prova disso é que dados do governo mostram que um volume significativo de recursos tem sido desviado, desde o ano passado, de importantes programas sociais voltados para alimentação, saúde e educação, e destinados para o pagamento da dívida.
Os pesquisadores também reclamam que a medida imposta pela emenda (de estabelecer um teto de gastos por 20 anos) não contou com participação social, uma vez que tramitou de forma apressada no Congresso Nacional. Um dos principais fatores dessa percepção negativa, conforme explicou a especialista em Orçamento Público Grazielle David, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), é o fato de a estrutura tributária em vigor hoje no país onerar bem mais os pobres e a classe média.
“Para se ter ideia, a carga tributária sobre consumo e trabalho atingiu 76% do total da receita tributária em 2014, ano em que bateu um recorde de crescimento, enquanto a tributação sobe a propriedade e os ganhos de capital representam 7,4% do Produto Interno Bruto(PIB) do país, no mesmo período”, disse ela. Outra contradição apontada pela pesquisadora são dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) segundo os quais, no Brasil, os 10% mais ricos gastam 21% de sua renda com impostos, ao passo que os 10% mais pobres gastam 32% da renda com impostos.
De acordo com Grazielle, num país com estes dados, orçamentos pró-cíclicos retiram investimentos em direitos humanos, na proteção social, no combate à mudança climática, nos jovens e na igualdade racial e de gênero, enquanto os pagamentos dos serviços da dívida disparam. Para a analista, a austeridade e o teto dos gastos são “injustificáveis”, uma vez que falham em seus objetivos, de reduzir o déficit e restaurar a confiança financeira.
Combate à evasão fiscal
Conforme o trabalho de Grazielle, as projeções atuais sugerem fortes evidências de que a emenda pouco contribuirá para reduzir o déficit e ainda retardará o crescimento econômico. A pesquisadora sugeriu como alternativas para as medidas de austeridade combater a evasão fiscal. A seu ver, medidas neste sentido, segundo dados do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), poderiam fazer com que o Tesouro recebesse R$ 571,5 bilhões a mais em arrecadação.
Outra alternativa sugerida pela técnica do Inesc seria uma reforma tributária que incluísse uma alíquota sobre a renda da pessoa física de 35% para rendas muito altas e a progressiva taxação de lucros e dividendos.
Já o professor e economista Pedro Rossi, da Unicamp – que está mapeando o desmonte das ações sociais no âmbito das medidas de austeridade implantadas pelo governo num trabalho a ser divulgado em julho – considera que a austeridade tem dois lados: um é o lado macro, que se reflete na redução de empregos e baixo crescimento, e o outro é micro, que repercute na ponta, ou seja, na vida das pessoas.
“A ideia de que é um remédio para a crise é mentira deslavada. A austeridade reduz o crescimento econômico, aumenta o desemprego e a desigualdade. A ideia de que a austeridade pode reduzir a crise tem sido contestada até mesmo por economistas que defendiam esta prática anos atrás, depois de analisarem o resultado de medidas implantadas em vários países que não deram certo”, destacou.
Para o acadêmico, a ideia de que a austeridade vai restaurar a economia, defendida por determinados setores, “não se sustenta, é seletiva, porque prejudica os mais pobres e é também machista, porque prejudica mais as mulheres”. “Quando há falta de vaga nas escolas, falta de merenda para os alunos, é a mulher que na maior parte das vezes fica impedida de trabalhar para cuidar dos filhos”, afirmou.
Projeto neoliberal de país
Mais graves que a austeridade, na visão de Rossi, são os efeitos da continuidade desse processo, uma vez que a previsão da Emenda é de congelamento de gastos por duas décadas. “Isso tende a virar um barril de pólvora. Para mim, é uma medida que consiste em um projeto de país que estão tentando implantar. Um projeto neoliberal de redução do Estado ao longo do tempo”, acusou.
O acadêmico propôs um modelo de desenvolvimento voltado mais produtivo e com investimento em tecnologia. “Se incentivarmos estes dois polos, tecnologia e produtividade, aí sim poderemos achar uma boa alternativa para a crise”, ressaltou.
O cientista social Rafael Georges, da Oxfam Brasil, lembrou que o Brasil é o 10º país mais desigual do planeta, o que considera absurdo diante da abundância de recursos naturais existentes aqui. “De 1998 em diante o país começou ter uma reversão das desigualdades com redução da pobreza. Mas com as mudanças feitas na Constituição, corremos o risco de que este ciclo seja totalmente revertido”, afirmou.
De acordo com ele, “é importante as pessoas terem consciência que aqui, uma pessoa que recebe um salário mínimo mensal precisaria levar 19 anos trabalhando para ganhar o mesmo salário que o mais rico ganha em um mês”. “Os 10% mais ricos do país estão totalmente insulados pela renda da população”, explicou.
Juntamente com outras propostas aprovadas de 2016 até agora, a EC 95 é alvo de um documento que está sendo elaborado pelo CNDH para ser entregue à Corte Interamericana de Direitos Humanos no início de maio, com o intuito de mostrar as iniciativas implementadas pelo governo Temer que tendem a levar o país a um retrocesso em termos direitos e garantias. Informações da RBA.
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