Desigualdade e pobreza não param de crescer

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Clemente Ganz Lúcio é sociólogo
e diretor técnico do Dieese.

É comum haver gente tratando a pobreza e a desigualdade como problema dos pobres, como se eles fossem os responsáveis pelos dois males. Também é comum se ouvir que a desigualdade e que a razão de a miséria existir não são a distância entre aquilo que os pobres possuem para viver e a renda dos mais ricos. Falácia. Pobreza e desigualdade são variáveis totalmente conectadas. A pobreza existe em função de um modelo que favorece a concentração da renda e da riqueza e aumenta a desigualdade. É importante ter claro que a desigualdade é criada na esfera política, por quem detém o poder econômico. E é uma estupidez, pois além da perversidade com o ser humano que padece com a pobreza, afeta toda a economia e a sociedade. Não cabe nenhum lampejo de tolerância com essa estupidez nem com aqueles que a promovem.

A Oxfam é uma confederação internacional de 20 organizações que trabalham em rede, em mais de 90 países, e combate insistentemente a desigualdade. Anualmente, na semana em que os ricos se encontram no Fórum Econômico de Davos, na Suíça, a entidade denuncia os graves problemas vividos pelos pobres e a escandalosa e crescente concentração de riqueza e renda no mundo.

O documento “Tempo de cuidar: o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago e a crise global da desigualdade” (disponível em https://oxfam.org.br/justica-social-e-economica/forum-economico-de-davos/tempo-de-cuidar/), divulgado neste ano, é, mais uma vez, um relatório impactante. A leitura gera mal-estar e sensação de impotência diante do tamanho do problema. Seria muito bom que provocasse também a indignação transformadora.

Os dados de 2019 são, novamente, assustadores. A desigualdade aumentou ainda mais e não para de crescer. Os bilionários no mundo são 2.153 e detêm juntos a mesma riqueza que 4,6 bilhões de pessoas! Um grupo um pouco maior, os 1% mais ricos, detém duas vezes mais riqueza que 6,9 bilhões de humanos. A desigualdade está fora de controle, denuncia a Oxfam.

A riqueza é produzida pelo sistema econômico e reproduzida na forma financeira pelos bancos e fundos de investimentos, tudo alimentado por acionistas ávidos por resultados que engordem o portfólio do seu patrimônio. O produto dessa corrida é robusto: nos sete países mais ricos do planeta, a riqueza dos acionistas cresce dez vezes mais rápido que os salários médios dos trabalhadores. E o Estado, influenciado e/ou gerenciado pelo poder econômico, favorece esse cenário.

Não há sinal de mudança no rumo e a tragédia tende a aumentar ainda mais. O envelhecimento populacional, em todo o planeta, requer mais cuidados com a saúde, enquanto governos em todo o mundo desinvestem nessa área e cortam gastos públicos relacionados à seguridade e previdência. Ao mesmo tempo, crescem dramaticamente os efeitos da crise ambiental, afetando os mais pobres, a tecnologia desemprega os mais vulneráveis e a legislação precariza e desprotege cada vez mais o trabalho. Para reverter essa tragédia, parece até que a humanidade precisará renascer.

Por essas razões, são fundamentais iniciativas ousadas, que agreguem vigor social e político a trabalhos como o da Oxfam, reunindo e unindo aqueles que lutam a favor de um mundo igualitário, fundado na justiça e solidariedade.

A questão da luta sem trégua contra a desigualdade precisa ganhar centralidade na ação sindical, inclusive como elemento que renove o sindicalismo, mobilizando os trabalhadores para a tarefa de disputar a distribuição justa e igualitária do trabalho social. O desafio é colocar, de maneira contínua e criativa, muita gente na rua contra as várias formas de desigualdade, e avançar em transformações com propostas ousadas. Avante!

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