De janeiro a março, 96,5% de 140 convenções coletivas registradas no Ministério do Trabalho garantiram reajuste real aos salários
A inflação menor, especialmente de alimentos, no início deste ano em comparação ao começo do ano passado, facilitou a negociação de acordos salariais com aumento real. De janeiro a março, 96,5% de 140 convenções coletivas registradas no Ministério do Trabalho garantiram reajuste real aos salários, descontado o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), indicador de inflação mais usado nas negociações salariais.
Do total, 33% negociaram aumentos reais superiores a 2%, enquanto outros 42,5% concederam percentuais entre 1% e 2% e 21% pagaram até 1% acima da inflação dos 12 meses anteriores. No início do ano, destacam-se categorias pouco representativas do ponto de vista sindical e muito concentradas em serviços e comércio – 54% do total. Em levantamento do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), relativo ao primeiro semestre do ano passado, 84,5% das categorias tiveram ganho real.
Houve concentração de reajustes entre 7% e 8%, o que significa entre 1,5% e 2,5% de ganho real, pois a inflação em 12 meses medida pelo INPC foi de 5,26% em janeiro deste ano, percentual 1,3 ponto inferior aos 6,53% de inflação registrada pelo mesmo indicador em janeiro de 2013. Assim, um mesmo reajuste de 7% pago neste início de ano significou ganho de 1,6 ponto percentual real, enquanto no começo do ano passado ele representou 0,3% além da inflação.
Mercado aquecido
Além da inflação menor do primeiro trimestre (em relação à de 2013), o mercado de trabalho ainda aquecido, com situação de pleno emprego em várias cidades, tem ajudado nas negociações, embora elas não possam ser consideradas “fáceis”, dizem economistas que acompanham os acordos.
O coordenador do escritório regional do Dieese do Rio, Carlos Jardel Leal, diz que sempre que a inflação é mais alta, é mais difícil negociar um aumento real mais expressivo. No levantamento feito pelo Valor, constam seis acordos feitos no Rio, mas nenhum deles é acompanhado pelo escritório do Dieese. Eles contemplam categorias menores, de sindicatos pouco representativos. Uma das características dos acordos – presentes em quatro das seis negociações fluminenses – foi o escalonamento dos reajustes salariais, além da diferença entre o piso da categorias e os demais trabalhadores.
Nos metalúrgicos de São Gonçalo, por exemplo, com data-base em março, foi concedido reajuste de 8% para os trabalhadores com remuneração até R$ 3,7 mil. Para os demais, o acordo garantiu o INPC. Aos trabalhadores em empresas de refeições coletivas do Rio, o acordo referente a janeiro pagou 8% de aumento para salários até R$ 5.250. Para ganhos superiores, foi pago valor fixo de R$ 420.
Balanço do Dieese
No total dos 140 acordos, 23 (ou 16%) trouxeram uma cláusula de escalonamento de reajuste, com percentuais maiores para os menores salários. Os balanços feitos pelo Dieese – mais representativos que o levantamento do Valor por contemplarem o mesmo conjunto de categorias todos os anos – mostram que a prática tem sido recorrente para cerca de 20% dos acordos. O coordenador do escritório do Dieese de Santa Catarina, José Álvaro Cardoso, explica que é bastante comum um aumento maior para o piso e um reajuste para os demais trabalhadores, mas aí sem reajustes em escala. O escalonamento fazia mais sentido quando a inflação era maior, diz o economista do Dieese catarinense.
Em Santa Catarina, o piso ajudou as negociações deste começo de ano, diz Cardoso. Enquanto o salário mínimo nacional teve aumento real de 1% este ano, os quatro pisos regionais foram corrigidos entre 9,15% e 9,37%, indicando percentuais bem mais expressivos (3,5% em média) acima da inflação. No Estado, conta Cardoso, o piso é acertado em uma negociação bipartite, entre representantes dos trabalhadores e dos empregadores. “O governador sanciona o que é definido nessa negociação, que vale para o setor privado”, explica o representante do Dieese.
“O piso regional acaba sendo uma referência e ajuda na argumentação dos trabalhadores durante as demais negociações”, pondera Cardoso. Entre categorias acompanhadas pelo Dieese, os metalúrgicos de Criciúma receberam reajuste de 10% em janeiro e os trabalhadores em cerâmica da mesma região, 8%. Reajuste menos expressivo (7%) foi pago aos metalúrgicos de Jaraguá do Sul, onde está instalada a fábrica da WEG.
Conquistas
No Ceará, com 11 acordos no levantamento junto ao Ministério do Trabalho, o coordenador do escritório regional do Dieese, Reginaldo de Aguiar Silva, diz que além dos reajustes, as categorias conseguiram conquistas em outras cláusulas, como cesta básica na construção civil, vale-alimentação para comerciários de Fortaleza (e algumas cidades do interior) e plano de saúde para os rodoviários, além do adicional de 30% para os vigilantes, mas que representou a incorporação no acordo coletivo de uma lei aprovada no Congresso.
“Desde 2005, os comerciários do Ceará têm conseguido negociar aumento real de salário”, conta Silva. Ele acredita que a inflação mais alta – esperada para os próximos meses – pode dificultar um pouco mais as negociações futuras. Além da inflação, a perspectiva de um economia mais fraca, com a instabilidade das eleições e os efeitos (talvez de desaquecimento) provocados pela Copa do Mundo, pode atrapalhar as negociações dos próximos meses, diz Silva.
Neste começo de ano, diz Cardoso, do Dieese-SC, as primeiras negociações se mantiveram no mesmo ritmo de ganho real de 2013, embora isso não signifique que elas foram fáceis. Os trabalhadores em cerâmica de Criciúma, conta, conquistaram aumento real após uma greve. Ele também considera, como cenário provável, que aumente o receio dos empresários sobre o ritmo da economia. Por outro lado, pondera, estarão na mesa categorias mais fortes e a situação ainda é de pleno emprego e as grandes empresas querem reter os trabalhadores já qualificados.
Para Jardel Leal, do escritório fluminense do Dieese, a tendência continua sendo de conquista de au mento real nos acordos coletivos. “Os salários, durante muitos anos, perderam para a inflação. Mas a tendência tem sido e deve continuar assim [de ganhos reais], para a maioria”, diz o economista.
Fonte: Valor Econômico
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