Em 2021, o Brasil enfrenta o menor nível de chuvas em 91 anos, o que aumenta o risco de desabastecimento nas principais usinas hidrelétricas do País. O cenário também é atribuído à gestão do setor elétrico por parte do governo federal. As consequências, além da própria falta de energia à população, refletiram-se na inflação – que está em 9,68% nos últimos 12 meses -, representada pela elevação do preço da energia elétrica.
O IPCA apresenta variação de 9,68% em doze meses e o INPC acumula alta de 10,42%. Se formos verificar o acumulado apenas deste ano, serão 5,67% no IPCA e 5,94% de INPC. O cálculo do impacto da energia elétrica na inflação é extremamente complexo de ser calculado, pelo impacto em cadeia, embora seja evidente que haverá crescimento exponencial de preços sobre os mais diversos produtos e serviços. Algo parecido com o que ocorre com a inflação dos combustíveis (óleo e gás), que também estão em alta descontrolada, e portanto, já influenciam os preços da cadeia produtiva nacional.
“Não há uma forma simples e fácil de mensurar diretamente o impacto do aumento da tarifa na inflação”, explica Pedro Luiz Côrtes, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental no Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, lembrando que esse aumento entra em uma cadeia, chegando a repercutir na prestação de serviço e irrigação de plantio, por exemplo, cujos preços também se elevam e dificultam a análise direta dos impactos.
Diante da falta de água, as termelétricas passaram a ser acionadas. Côrtes explica que, “além delas terem um custo operacional maior, muitas utilizam combustíveis fósseis, que têm cotações internacionais”. Como resultado, altas na taxa do dólar, provocadas principalmente pela instabilidade política, acabam refletindo no custo da energia no Brasil.
“Na prática, temos uma dolarização, em parte, da geração de energia elétrica. Isso já sinaliza que novos aumentos poderão ocorrer, até porque, além das variações do dólar, o próprio governo estabeleceu aumentos para tentar reduzir o consumo”, analisa Côrtes, apontando como causa não só a piora na crise hídrica como o aumento do dólar.
Com o aumento da tarifa, o governo esperava uma redução do consumo de energia. Usando dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico, Côrtes menciona que essa redução foi inferior a 5%. “É muito pouco diante do que o governo efetivamente precisa e diante dos sinais de agravamento da crise hídrica até o fim do ano que chegarão a patamares mínimos que impedirão a operação e geração de energia elétrica.”
O resultado é de alerta: “Estamos em um ciclo vicioso. O aumento do preço não consegue reduzir o consumo, mas ele consegue aumentar a inflação”, afirma Côrtes.
Com isso, o horizonte pode indicar eventos extremos, como o racionamento e apagões. O professor admite que, embora não acreditasse em racionamento, diante do cenário eleitoral, agora já imagina a ocorrência inevitável de apagões.
“Vai entrar em ação aquilo que o governo chama de racionamento didático para que as pessoas aprendam economizar. Só espero que não resolva usar a fome didática ou a falta d’água didática”, disse Côrtes, embora já aja racionamento de água em, pelo menos, 16 cidades paulistas servidas pela bacia do Paraná, fortemente afetada pelas secas.
Ele também faz menção à instabilidade política do país, sem citar explicitamente as manifestações golpistas de 7 de setembro promovidas pelo presidente Bolsonaro. Essa crise institucional repercute internacionalmente, gerando descontrole cambial no dólar.
Edição de entrevista à Rádio USP
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